Enio De Biasi*
Como acontecia num passado longínquo, o que não mais esperávamos nos tempos modernos, na “calada da noite”, no último dia útil do ano (nem tão útil assim, dado que não há expediente bancário), o Governo de plantão edita uma Medida Provisória que, basicamente:
Para além da surpresa da publicação da MP 1.202 no dia 29 de dezembro, que por si só é razão de questionamento, dada a falta de previsibilidade e de transparência, a edição dessa MP é mais um instrumento para a declarada intenção do governo de aumentar a arrecadação federal, com o objetivo de buscar o equilíbrio das contas públicas a partir de 2024.
Essa é a tônica do governo eleito em 2023, por baixíssima maioria (e em segundo turno): aumentar as despesas e “correr atrás” de novas receitas, mesmo que isso represente afronta ao direito adquirido e ataque a outro Poder da República, valendo-se de frágeis e questionáveis argumentos.
As revogações da desoneração das contribuições previdenciárias para os 17 setores e da sua redução para os municípios de até 156 mil habitantes, é uma afronta explícita e direta ao Poder Legislativo, que derrubou o veto presidencial para o projeto que prorrogava esses dispositivos até 31 de dezembro de 2027.
Até parece “birra de criança”, se lembrarmos que a Lei 14.784 foi promulgada pelo Presidente do Senado Federal no dia 27 de dezembro!
É ou não uma afronta ao Poder Legislativo?
Quanto ao limite mensal para compensação dos créditos judiciais transitados em julgado, que, diga-se de passagem, não foi estabelecido pela MP 1.202, deixando sua dosimetria à discricionariedade do Ministro da Fazenda, duas frases me vêm à mente:
“Às favas com os escrúpulos”, na sua versão reduzida, dita pelo ex-ministro Jarbas Passarinho, em reunião do AI-5, em 1968;
“No Brasil até o passado é incerto”, atribuída ao ex-ministro Pedro Malan – há quem diga que o primeiro a cunhar a expressão foi o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola. O certo é que ela se consolidou como uma frase antológica sobre o Brasil.
O argumento do Ministro Fernando Haddad, apresentada em entrevista coletiva, foi de que a medida visa regular as compensações, uma vez que o governo não tem como administrar com transparência os valores que serão compensados.
Além de frágil, o argumento é mentiroso e ilegal.
Frágil e mentiroso porque não se sustenta, para quem conhece o processo administrativo de compensação. O contribuinte, quando tem o reconhecimento de um crédito tributário em sentença transitada em julgado, é obrigado a transmitir à Receita Federal um “Pedido de Habilitação”, em que apresenta todos os documentos que comprovam seu direito e somente após ter esse pedido deferido é que o contribuinte pode iniciar as compensações.
O valor total do crédito é informado na primeira compensação realizada, na chamada D/COMP (Declaração de Compensação).
Tudo feito de modo formal e transparente, o que permite à autoridade tributária, não só tomar conhecimento do crédito, como promover a sua administração e lhe concede uma previsibilidade das compensações de cada um dos contribuintes.
O argumento também é ilegal, pois, além de ferir um direito adquirido e a segurança jurídica, ao alterar o regime de compensação já iniciado com a habilitação do crédito por parte da Receita Federal (a MP 1.202 não se restringe aos novos processos de compensação), interfere, frontalmente, numa decisão judicial transitada em julgado sob a égide de um regime que permitia a compensação sem qualquer trava ou limitação.
Não bastasse o STF transformar o passado em incerto, agora o Executivo tenta fazer o mesmo.
Tom Jobim cunhou uma frase que se transformou numa máxima:
“O Brasil não é para principiantes.”
*Enio de Biasi é diretor da Elebece Consultoria Tributária
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