Não é de hoje que já vem sendo alertado do equívoco estratégico do nosso país, que tem consistentemente negligenciado a transição energética e seu impacto transformador no setor automotivo.
Apenas nos últimos dias, presenciamos duas ações concretas do governo brasileiro que materializam esse erro: primeiro, a alteração da proposta de reforma tributária para beneficiar veículos com motor a combustão - uma manobra que a imprensa batizou de "emenda Lula". Em um segundo movimento contraproducente anunciou-se um incremento gradual no imposto de importação sobre veículos elétricos, que alcançará 35% em julho de 2026, começando já em janeiro de 2024.
Essas iniciativas sinalizam uma direção alarmante para a política nacional, uma que favorece a conveniência industrial imediata em detrimento de uma visão de futuro alinhada com as tendências globais de sustentabilidade e inovação tecnológica.
Ainda mais grave é o impacto da não preparação do Brasil para um papel de liderança na cadeia global da eletromobilidade. Ao não investir e incentivar adequadamente essa transição, o país corre o risco de ficar à margem do mercado internacional, perdendo a oportunidade de se estabelecer como um player relevante neste campo emergente e estratégico.
O aumento tarifário de importação em até 35% nos próximos anos foi declarado como tendo por objetivo o estímulo à produção doméstica de veículos elétricos. No entanto, analisando as medidas concretas e o conjunto de movimentações, está claro que a priorização é no apaziguamento da indústria a curto prazo em detrimento do interesse nacional.
Primeiramente, a implementação de tarifas de importação sobre veículos elétricos, em uma conjuntura em que a produção nacional é inexistente e as anunciadas fábricas dedicadas a essa produção estão a anos de se concretizar, não faz nada além de blindar a indústria automobilística tradicional movida a combustão e perpetuar o status quo. Tal medida não contribui para estimular a fabricação nacional de veículos elétricos, mas, sim, para salvaguardar práticas e negócios ultrapassados, impedindo o avanço tecnológico e a modernização do setor automotivo no país.
Durante o ano de 2023, com a chegada ao país de marcas novas, como BYD e GWM, tivemos um pequeno vislumbre do que poderia ser uma transição automotiva, com a promessa de democratização dos carros elétricos. Foram anunciadas grandes reduções de preços e modelos previstos para serem lançados abaixo de R$ 100 mil em 2024, o que os alinharia aos preços de carros populares.
Essa expectativa, no entanto, enfrentou um revés com o recente aumento de impostos que, ao adotar um sistema de cotas de importação isentas, incentiva que os fabricantes importem apenas veículos mais caros e de maior margem. Contraditoriamente, isso subverte o discurso governamental inicial, que criticava os incentivos à importação por supostamente beneficiarem as classes mais altas, e, agora, com as novas medidas, frustra a possibilidade de popularização da mobilidade elétrica no país.
Tudo fica bem mais claro quando vemos também a inclusão de última hora dos carros a combustão no quadro de incentivos fiscais da reforma tributária, que eram originalmente projetados apenas para veículos eletrificados. A Stellantis, apontada pelas demais montadoras como articuladora dessa manobra, conseguiu, com isso, prorrogar até 2032 seus mais de R$ 5 bilhões de incentivos fiscais anuais para veículos a combustão, valor maior que a previsão anual de toda a isenção fiscal federal que os Estados Unidos planejam conceder a carros elétricos pelos próximos anos.
O Brasil, ao aprovar benefícios fiscais ampliados para carros a combustão e taxar veículos elétricos, está claramente dirigindo-se contra a corrente da inovação. A indústria automobilística seguirá o caminho traçado pelos incentivos governamentais; se o nosso governo insiste em apontar para o passado, a indústria acelerará nessa direção. Com essas medidas, nosso país pisa fundo rumo ao retrocesso, enquanto o resto do mundo avança em direção a um futuro mais limpo e tecnologicamente avançado. Estamos na contramão da inovação e, se a rota não for corrigida, o Brasil poderá se ver preso numa era que o mundo está decidido a deixar para trás.
* Rafael Levy é Co-fundador da 100 Open Startups e Diretor do Centro de Open Innovation Brasil
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